Para Vítor da Fonseca, "Psicomotricidade é a evolução das relações recíprocas, incessantes e permanentes dos fatores neurofisiológicos, psicológicos e sociais que intervêm na integração, elaboração e realização do movimento humano". Existem outros teóricos da área, Nelson Mendes, Le Boulch, Pierre Vayer, Ajuriaguerra, Paul Shilder e Piaget, que falam da importância do desenvolvimento motor como precursor de todas as demais áreas. Porém, a partir da orientação em uma pré-escola é que se pode constatar a abrangência do significado de todas as definições e de toda a teoria na prática.
Voltemos à definição de Vítor da Fonseca: quando alguns dos fatores deixa de se relacionar, o que será que acontece? Para o autor da definição, "a ausência de espaço e a privação de movimento é uma verdadeira talidomida da atual sociedade, continuando na família (urbanização) e na escola. A total não-aceitação da necessidade de movimento e da experiência corporal da criança põe em causa as atividades instrumentais que organizam o cérebro".
Na escola recebemos crianças de um a sete anos de idade – cada vez maior o número de hipotônicas (relaxamento exagerado da musculatura), descoordenadas (desajeitadas), arrítmicas (não conseguem um ajuste entre o ritmo interno e o externo), com andar de "periquito" (andar na ponta dos pés), dificuldade verbal (fala infantilizada, troca de letras, afásicas, omissões de letras etc.), dificuldade de orientação espaço-temporal, de percepção visual, de esquema corporal e de lateralidade.
Assistimos a casos clínicos de crianças de três anos que pareciam ter transtornos neurológicos e que, na realidade, apresentavam histórico de superproteção por motivo de doença. Uma menina de três anos e meio, que era constantemente carregada pelos pais com receio de que caísse e se machucasse (porque foi muito doente após o nascimento e o pai entrava em desespero quando a ouvia chorar), apresentava um atraso motor de dois anos em seu desenvolvimento e de um ano e seis meses em sua maturidade cognitiva e emocional. Um menino extremamente inteligente na verbalização, mas que não conseguia uma produção motora coerente com o desenvolvimento da linguagem, apresentando um atraso de um ano e meio em sua realização motora, por ter tido uma doença quando iniciou a marcha e, por isso, não lhe foi deixado experimentar nada com seu corpo, porque poderia ficar com hematomas.
Depois, quando a criança não consegue ler e escrever, vem a cobrança dos pais e toda a ansiedade e expectativas que se derramam sobre a mesma; "Como eu fiz de tudo por ela e agora não está rendendo nada, como é que pode?" Justamente porque fez tudo por ela. Para Ajuriaguerra (neuro-psiquiatra infantil), "o esquema corporal é o resumo e síntese de toda a experiência corporal no mundo. É pelo esquema corporal que a criança vai conseguindo realizar movimentos cada vez mais ajustados e criadores e pelos quais fica apta a descobrir o mundo que a cerca e a envolve".
O desenvolvimento da apreensão e a marcha vão depender tanto do amadurecimento neurológico quanto da estimulação socioafetiva que o ambiente permitir. Então, ontogeneticamente, o indivíduo também tem muito a ganhar ou a perder, dependendo da estimulação que lhe é dada. Pais que permitem que a criança fique mais tempo no chão, incentivando-a com objetos interessantes, adequados a sua idade, favorecem um desenvolvimento e amadurecimento mais rápido e harmônico.
Não devemos esquecer-nos de uma fase anterior a esta, talvez mais importante ainda, a amamentação. O importante não é só o tipo de leite, mas também a maneira como a mãe segura o bebê. Neste momento, ele percebe se ela está relaxada ou tensa, se o ato está sendo prazeroso ou não, se está sendo amado ou rejeitado pelo simples contato de pele, a maneira como é segurado e pelos batimentos do coração materno. Desta relação depende a aprendizagem do tônus muscular, se vai ser relaxado ou tenso, ou situar-se nos extremos: hipotônico ou hipertônico.
Uma mãe teve três filhos homens. Por ter o mamilo "embutido" não conseguiu amamentar e os três foram alimentados no berço, no carrinho ou no bebê conforto, somente segurando a mamadeira, sem nenhum contato físico. Por mais que fosse orientada a proceder de maneira diferente, não seguia as recomendações; conclusão: o mais velho se desempenha bem na escola, mas não consegue relacionar-se com ninguém, não tem amigos, é inseguro e só vive agarrado à mãe; o do meio apresentou atrasos na linguagem e até hoje, aos 11 anos, não consegue aprender a ler e a escrever; e o terceiro é uma criança franzina, doente, com poucos recursos motores.
No consultório atendemos muitas crianças hipotônicas, cujo histórico era o mesmo. Citando Wallon: "Até a aquisição da linguagem, o movimento se torna simultaneamente a primeira estrutura de relação com o meio, com os objetos e os outros, a partir de onde se edificará a inteligência e esta é a primeira forma de expressão emocional e de comportamento. O movimento não é um puro deslocamento no espaço nem uma adição pura e simples de contrações musculares; o movimento tem um significado de relação afetiva com o MUNDO (é a expressão material de uma dialética subjetivo-afetiva), que projeta a criança na sua história biossocial".
Outra grande conquista é o controle dos esfíncteres. Até bem pouco tempo atrás, por causa das fraldas de pano e da dificuldade em lavá-las, a criança atingia a idade de um ano e seis meses e, se coincidia com a estação do verão, a fralda era substituída pelo penico e a noturna ficava na dependência da criança amanhecer seca durante 15 dias seguidos. O processo era rápido e eficiente. Hoje, em função das fraldas descartáveis e, muitas vezes, da pouca disponibilidade do acompanhamento dos pais neste processo, vemos crianças grandes, com dois anos e seis meses a três anos, ainda usando fraldas. Quando a escola se propõe a participar do processo, os pais aceitam e se comprometem a fazer o mesmo em casa, o que, no entanto, só é feito na escola; em casa, principalmente nos fins de semana e quando vão sair de carro para passear, a fralda é recolocada. Imaginem o "nó" que fica na cabeça da criança: "quando será que posso fazer xixi e cocô nas calças?"; "será que é quando eu quero ou quando eles, os adultos, querem?"; "será que sou capaz de me controlar?"; "o que será que querem de mim?"; "o controle é meu ou é deles?"
A responsabilidade dos profissionais da área de saúde que intervêm direta ou indiretamente no desenvolvimento da criança não é só o de assegurar o crescimento físico saudável, mas o de orientar os pais no sentido de que crescimento e desenvolvimento envolvem independência e esta gera sentimentos de capacidade e segurança, levando-a a ter iniciativas, a ser capaz de tomar decisões, participando ativamente do seu meio sociocultural, aprendendo a utilizar-se de todas as suas capacidades. Para Piaget, "a criança estabelece relação com o exterior através da circulação entre as percepções (assimilação) e os movimentos (acomodação) e é o conjunto de adaptações que (na sua circulação materializada pela motricidade) irá transformar a inteligência prática (sensório-motora) em inteligência reflexiva (gnósica)".
Em 14 anos de experiência orientando uma pré-escola e no final de cada ano aplicando uma teste de desenvolvimento do perfil-motor em crianças de três a sete anos, foi verificado um grande aumento no desenvolvimento da coordenação e da velocidade manual, em detrimento da coordenação global, do equilíbrio e da dissociação dos movimentos. Como as crianças ficam confinadas em apartamentos, sentados em frente a uma televisão ou no comando de um videogame ou computador, o que se desenvolve prematuramente são as mãos, que deveriam ser as últimas, já que uma das leis do nosso desenvolvimento neurológico é céfalo-caudal e próximo-distal, implicando numa série de não aquisições fundamentais para a aprendizagem da leitura e escrita e da organização do pensamento formal: as percepções (visual, auditiva, olfativa, gustativa e tátil), fundamentais para a assimilação do mundo externo; a coordenação motora global e o equilíbrio, importantes para o desenvolvimento espaço-temporal, interferindo nos processos de análise e síntese, na interiorização do esquema corporal que regula toda a noção de ser alguém independente e atuante e na concentração e atenção, responsáveis por diferenciar o real da fantasia e apreender as funções do pensamento mais elaboradas, como comparação, classificação, levantamento de hipóteses, suposições etc.
Retirei esse texto daqui
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